[Resenha] Sonho Febril

O perturbador Sonho Febril é um livro de George R. R. Martin publicado em 1982 e traduzido para o português apenas agora, em 2015, pela excelente editora Leya, que pretende engatilhar toda a premiada obra desse autor que é garantia de sucesso. Se você gosta de literatura, vampiros, e se está curtindo As Crônicas de Gelo e Fogo, meu conselho é que Sonho Febril seja o próximo livro de sua lista.

O grosso da história deste romance se passa entre 1857 e 1870, girando em torno do desventurado capitão Abner Marsh, o dedicado proprietário de uma empresa de barcos a vapor que percorrem as regiões pluviais do sul dos Estados Unidos, aos arredores de St. Louis, New Orleans e pelos idos do Mississippi, consagrado rio onde se passam as gloriosas aventuras de Huck Finn (personagem homônimo do imperdível As Aventuras de Huckleberry Finn). Em um desesperançoso estado de falência, Marsh recebe uma estranha proposta de sociedade vinda do misterioso aristocrata Joshua York. York é pálido, só aparece à noite, tem olhos hipnóticos e anda cercado por uma trupe de sotaques estranhos, sendo assim, fica fácil perceber logo de cara que Sonho Febril é um romance sobre vampiros.

Marsh e York firmam sua sociedade através da construção do magnífico barco a vapor Fevre Dream, traduzindo o trocadilho para o português “Sonho Febril”. A bordo dessa embarcação, uma série de eventos e mistérios angustiantes vão perseguir Marsh e sua tripulação em múltiplas camadas de conflito que farão os leitores terminar o livro com suas unhas completamente roídas.

A leitura de Sonho Febril é amarga e torturante. A angustia das cenas e da narrativa chegam a partir o coração e explodir a cabeça pelo menos uma vez a cada capítulo. Se você acha que Martin é cruel no universo de As Crônicas de Gelo e Fogo, pague para ver o massacre literário que o cara vai arrumar com sua cabeça no sublime pesadelo que mora nas páginas dessa obra.

O livro tem um ritmo lento, mas a narrativa do autor consegue nos prender até mesmo na descrição de uma sala de jantar de um navio a vapor, pois quase tudo dialoga com o tema central da história e faz o leitor ficar suspeito de relações inexoráveis entre todos os seus elementos e os mistérios lançados no interior da trama.

Outro ponto de destaque são os personagens, como é hábito de Martin, o nível de empatia ou repulsa a eles é muito grande e polêmico. A maior parte da história nos é apresentada em discurso indireto livre, pelo olhar do capitão Abner Marsh. Em linhas gerais, ele é um sujeito que a principio não despertaria muita simpatia, até mesmo desinteressante, algo que seria arriscado, tendo em vista que ele é o protagonista, contudo, o personagem evolui bastante e suas ações e as reverberações delas em sua personalidade acabam estabelecendo um vínculo muito positivo com o público.

O aristocrático Tom York também é uma figura muito bem montada pelo autor. Ele é o vampiro central em Sonho Febril e, a princípio, lembra muito outras crias da noite da cultura pop como o vampiro Lestat, mas logo Martin quebra isso com uma longa dose de originalidade sem perder a força arquetípica que sempre cai bem em uma criatura como um vampiro.

Mas o destaque mesmo é a lúgubre presença de Damon Julian, o antagonista do livro. O sujeito é tão caótico e ao mesmo tempo tão simples, que somos levados a ver uma área cinza de sua personalidade. Às vezes ele nos parece uma besta selvagem em busca de sobrevivência, em outras um tirano e um vilão marginal com uma irrecuperável e sádica mania de grandeza. Pessoalmente, é um dos personagens da literatura que mais me deu medo nesses últimos anos. A descrição de Martin sobre ele é sempre envolta em situações muito desumanas e sombrias, mesmo um gesto simples dele, como o de ficar parado no escuro de uma biblioteca ou de rir de maneira peculiar, desperta a forte sensação de quebra da realidade e de que algo muito ruim está prestes a acontecer. Quase sempre sua aparição é o início de fortes imagens de barbárie que marcam o livro. Além disso, esse vilão é um dos grandes mistérios de Sonho Febril, e pode render horas de reflexão para os leitores que curtem um exercício de imaginação especulativa.

A maneira como os personagens relacionam-se é deslumbrante. As ligações entre os protagonistas e o pessoal com menos linhas nas páginas é excelente. Martin consegue nos fazer sentir até mesmo o impacto da morte ou do sofrimento de alguém que não costumava despertar muita atenção na trama. A dupla inusitada formada por Abner Marsh e Tom York é memorável, e a narrativa gira em volta deles, sempre se aproximando do inevitável choque com Damon Julian, mas sem dar pistas de quando ou como vai acontecer, provocando uma sensação muito intensa de apreensão.

Outro ponto forte de Sonho Febril reside nas importantes questões suscitadas por Martin enquanto escritor. Quem está acostumado com “As Crônicas de Gelo e Fogo” sabe que o autor aborda a fantasia de maneira inovadora, explora temas estranhos a esse gênero, tentando impingir um pouco de realidade e “mundo cão” às suas tramas, que são sempre regadas de choques súbitos ao leitor, quebra de expectativas, decepções, brutalidade e muitos sentimentos de confusão. Raramente o leitor consegue dividir uma linha de bem e mal estável para os personagens e suas ações, ainda assim, Martin trabalha com binômios. Em Sonho Febril eles são luz e trevas, poder e servidão, noite e dia, vida e morte, humanidade e selvageria. Você só não consegue perceber a fronteira exata entre eles. Os próprios personagens veiculam essas discussões abertamente ao longo da história.

Sonho Febril é uma leitura forte, perturbadora, com imagens sombrias, personagens marcantes e uma história impossível de largar. Para você que é fã de vampiros, ou do Martin, a leitura é mais que obrigatória.

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Informações Técnicas

Título: Sonho Febril

Editora: Leya

Autor: George R. R. Martin

Nível de Dificuldade de Leitura: Fácil

Nota: 5/5

 

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